segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Revista Tatuí #7

Publiquei um texto na revista recifense de crítica de arte Tatuí #7 cujo tema geral é "Algumas Organizações e Outras Arrumações Sociais da Arte de Agora". A minha contribuição foi de um texto chamado "Pequeno Manual da Música Independente" onde falo sobre articulação e fomento da música independente e suas falanges. Abaixo segue o artigo na íntegra, e para baixar a revista completa em pdf acesse: http://www.aponte.com.br/?p=2061




Pequeno Manual da Música Independente.

Por Zeca Viana

Zeca Viana cursa a graduação de Bacharelado em Filosofia pela UFPE com área de interesse e pesquisas em estética e Filosofia da Arte, é músico integrante da Volver e também possui um trabalho solo com destaque em sites especializados em música independente.


Era uma vez uma fábrica de discos chamada Rozenblit, nela tudo parecia perfeito, seus donos, os irmãos Rozenblit, tocavam o negócio com muito carinho colocando o amor pela música em primeiro lugar. Lá eles tinham um grande estúdio de gravação, um moderno parque gráfico e ainda conseguiam distribuir seus discos para quase todo país chegando a comandar 22% do mercado nacional – concorrendo com a RCA-Victor – com filiais no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Lá eles gravaram de tudo: do frevo ao rock psicodélico. A maior preocupação não era com as contas no fim do mês e sim com a qualidade dos produtos que lançavam. A lógica era a de que se lançassem um produto de qualidade o lucro viria. Isso não aconteceu numa cidade encantada. Foi em Recife, entre os anos 50 e 70, por ali pelo bairro de Afogados. E foi justamente assim que a Rozenblit acabou, afogada pelas enchentes e encharcada pela pressão internacional que começava a criar a lógica do famoso jabá (jabaculê, molha-a-mão, troca-troca).

Foi assim que o Recife, desde essa época, se tornou uma cidade referência na resistência contra uma lógica de mercado que visava apenas o lucro. Durante anos essas grandes gravadoras, as majors, lançaram bizarrices mercadológicas goela abaixo no público brasileiro e ditaram a lógica de mercado. Criavam artistas da noite para o dia e sugavam tudo que podiam. Porém a base que serviu para erguer o império dessas grandes gravadoras não era forte o suficiente e elas tombaram: primeiro se ajoelharam com os golpes da tecnologia - que trouxe a pirataria - e depois ruíram quando os novos artistas se negaram a assinar os seus contratos. Mas restou uma coisa muito importante, adorada pelos irmãos Rozenblit: a música. E de novo procuramos novos caminhos para ela.

Não é preciso dizer que hoje a internet e a tecnologia de fácil acesso são importantes para a criação e distribuição da produção musical. Por exemplo, hoje você pode gravar seu disco em casa, filmar e editar videoclipes, elaborar sua arte gráfica, fazer camisas, gravar tudo em CD-R ou distribuir on line através de sites como MySpace e Trama Virtual, ou ainda ganhar dinheiro através de downloads pagos, como fez o Radiohead. Tudo isso faz parte de um esquema relativamente novo onde as possibilidades de trabalho são muitas e o próprio artista tem um papel determinante em todas elas.

Acompanhando o crescimento desse novo cenário estão os selos independentes que lançam artistas em parceria – ou não – com distribuidoras como a Tratore, por exemplo, além de algumas vezes serem responsáveis pela própria gravação e produção do disco. Selos como Midsummer Madness, Senhor F Discos, Monstro Discos, Trama Virtual entre vários outros. E não só novos artistas estão preocupados em criar essas novas soluções, em uma breve conversa com o consagrado músico Guilherme Arantes fiquei sabendo do seu mais novo projeto, um selo independente chamado Coaxo do Sapo com estúdio próprio na Bahia onde ele já está começando a gravar e produzir novos artistas, e segundo ele, sem intenções financeiras. Apesar de hoje em dia o disco ser encarado cada vez mais como um cartão de visitas, imagino que ainda tem um caráter de álbum, um caráter artístico onde cada música faz parte de uma única obra, de um conceito.

Articulando ainda mais as relações entre bandas, artistas, produtores e selos estão também os coletivos, sites, fanzines, blogs, produtoras e os festivais independentes. Uma das melhores formas de conhecer algumas dessas produtoras e coletivos é visitando o site do Circuito Fora do Eixo (www.foradoeixo.org.br), que agrega idéias, sendo ainda selo e também coletivo. Tudo junto. Festivais como o MIMO – Mostra Internacional de Musica (Olinda / PE), Festival Casarão (Porto Velho / RO), Feira da Música (Fortaleza / CE), Festival Mundo (João Pessoa / PB), Demo Sul (Londrina / PR) são apenas alguns dos mais de trinta festivais de todo Brasil associados à ABRAFIN – Associação Brasileira de Festivais Independentes.

Tudo funciona como uma teia de informações está tudo interligado. Nesse sentido é difícil definir com precisão científica o que vem a ser um coletivo, por exemplo, até por que eles trabalham de formas diferentes, às vezes são mutantes em seus membros e nas suas ações, atuam em diferentes áreas e parecem estar sempre abertos para novas idéias. Espalhados pelo Brasil estão nomes como o Coletivo Palafita (Macapá / AP), Massa Coletiva (São Carlos / SP), GOMA (Uberlândia /MG), entre vários outros responsáveis por interligar várias regiões.

Voltando a Recife vemos que a lógica trazida pelos irmãos Rozenblit parece ter de alguma forma fincado raízes na cidade e que nos anos 2000 o mesmo amor pela música e a determinação de fazer as coisas acontecerem renasce em coletivos como o Lumo e o Coquetel Molotov, hoje um dos mais importantes e respeitados do país. Além de programa de rádio, selo, revista e articulador o Coquetel Molotov também é festival. Eles conseguiram algo que os irmãos Rozenblit sonhavam: criar um público que consumisse a música pela sua qualidade acima de tudo. Hoje somos testemunhas de como ele nasceu e se estabeleceu. Vemos o teatro lotado para assistir atrações praticamente desconhecidas, num ato de confiança. Naqueles dias de festival todos os fatores se somam para experimentar a música independente na sua forma mais pura, se deixando surpreender.

Nesse exato momento existem bandas rodando o país e o mundo de forma sustentável, se articulando em cada cidade, em cada novo ponto dessa rede, que ao mesmo tempo é independente e socializável.



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