segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

“QUARTO MINGUANTE, QUARTO CRESCENTE”: CICLO RÍTMICO DO AMOR EM ZECA VIANA

POR ROGÉRIO DUARTE

“Quarto minguante, quarto crescente” é o segundo single de Zeca Viana, que apresenta mais um das linhas gerais do que será o CD Calor & Aurora, que será lançado em 2011. Depois de “Homo Plasticus”, em que Zeca dava voz ao homem transformado em mercadoria pela lógica do capital, o novo single traz uma canção mais introspectiva e subjetiva, com riqueza de recursos formais que remetem aos ciclos da natureza e sua relação com o movimento do amor e do sexo.

No plano da letra, o Quarto do título ganha duplo sentido, aludindo não só a uma das fases da lua (que, por si só, já está associada ao amor), mas também ao espaço íntimo do quarto de dormir, em que são experimentadas diferentes sensações: o sono, o sonho, os desejos e o gozo, tudo em ritmo de retorno, num claro-escuro musical de arranjos e curvas melódicas que vão do mais agudo e ardente no verso “o desejo de evoluir crescente”, até o adormecimento do agudo “não vou mais sair”.


Capa do single feita por Bruna Ferrer, co-autora da letra.

Em toda obra de Zeca Viana, talvez apenas “Coração Atonal”, dos Seres Invisíveis, tenha consistência interna comparável à de “Quarto Minguante, Quarto Crescente”: cada verso ascendente – portanto, crescente – terá seu correspondente descendente – isto é, minguante. Como a canção está fundada no ritmo repetitivo das fases da lua, o movimento de retorno fica asseverado pela rima do título, cujo sufixo “-nte” já sugere a ideia de movimento. Assim, o dinamismo da canção se dá pelo encadeamento melódico regular, à moda de ciclo natural, sempre pontilhado dos retornos da lua expressos nas rimas.

Mas todos esses recursos formais só terão sentido se não forem gratuitos, isto é, se dialogarem diretamente com o conteúdo – e é na correspondência entre a forma e o conteúdo que é alcançada a coerência característica das grandes canções: nos primeiros versos, parte-se do sono para a decolagem, sempre com um interlocutor em primeiro pessoa, o que sugere o quarto como espaço da experiência amorosa. O “corpo material minguante” e “o sonho material distante” ganham força na passagem do minguante ao crescente, com o verso “o desejo de evoluir crescente”, num ápice vocal que lembra as entoações de Guilherme Arantes, referência musical clara de Zeca.

Do ápice, só resta retomar o ciclo: se é verdade que “a vibração emite luz”, o sentido natural é retornar à fase minguante. Zeca é minucioso na utilização das estruturas frasais, evidenciando o trajeto de volta, rumo ao universo do minguante, para finalmente terminar com a repetição do ciclo. “Quarto Minguante, Quarto Crescente” é daquelas músicas que podem ser executadas nas caixas de som dos quartos dos amantes, repetidas incessantemente, até que o ritmo do ciclo seja absorvido por completo e um se perca no outro, num claro-escuro, ou côncavo-convexo, em que as nuances das diferenças são percebidas, mas que só fazem sentido quando compõem um todo indivisível: assim é a canção, assim são os amantes trancados no “Quarto Minguante, Quarto Crescente”.

ROGÉRIO DUARTE É INTEGRANTE DA IDENTIDADE MUSICAL, PROFESSOR DE LITERATURA E GRAMÁTICA, ATUALMENTE EM SUA PESQUISA DE DOUTORADO ANALISA AS RELAÇÕES ENTRE O ROCK PORTUGUÊS E A POESIA PORTUGUESA.

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